DUAS DEFINIÇÕES DE ARQUITETURA (EXPLICADAS) - Parte 1

“A arquitetura é a representação da construção” (Schelling)

Extrato do texto Arquitectura, juicio, proyecto, de Helio Piñón, publicado aqui.

"Schelling, em uma formulação feita há dois séculos, define o estatuto artístico da arquitetura delimitando a sua natureza ao universo mais amplo da construção. Não se fixa nos atributos das obras, situando seu campo de atuação na relação com a ação construtiva que disciplina.

Não obstante, seria ingênuo pensar que Schelling, ao falar de construção, se refere só à técnica construtiva. Efetivamente, o dicionário vincula o ato de construir a “ordenar e ligar”, o que se aplica tanto a materiais como a dependências e espaços, de modo que a arquitetura representa, por um lado, a construção física do edifício e, por outro, sua constituição espacial.

A frase de Schelling deixa claro que a construção – em sua acepção técnica material ou em sua vertente organizativa espacial – é a matéria da arquitetura, o objeto sobre o qual ela atua. A arquitetura não é, portanto, um sistema de princípios e critérios que se aplica aos corpos físicos ou aos espaços indiscriminadamente, mas que atua sobre uma matéria – a construção – previamente disciplinada pela técnica e sobre o agrupamento de espaços previamente ordenados pelo uso.

A construção de elementos ou espaços é pois a matéria prima sobre a qual o arquiteto atua para conseguir apresentá-la de modo que a forma representada tenha uma lógica visual que transcende – sem negá-las – as lógicas da técnica e do uso. Definitivamente, a arquitetura re-presenta, isto é, apresenta de modo distinto, tanto a técnica construtiva como a organização espacial dos edifícios.

Isso se consegue mediante dois sistemas, o da construção material e o da organização espacial, que caracterizam todas as arquiteturas da história: as ordens arquitetônicas e os sistemas tipológicos. Ordens e sistemas que, de modo explícito – em tratados e manuais – ou implícito – através das convenções da tradição – estimularam e, ao mesmo tempo, disciplinaram a arquitetura, pelo menos durante os últimos trinta e cinco séculos.

A arquitetura é, pois, o sistema de princípios formais e de critérios de projeto que, ao longo da história, representaram a construção  no sentido mais amplo. Se trata de sistemas que construíram os grandes ciclos estéticos da história e que não podem ser confundidos com as vicissitudes estilísticas que amenizaram os diferentes períodos. Tais sistemas gozaram de grande estabilidade histórica e só perderam vigência quando uma nova noção de forma foi capaz de assumir as condições sociais e técnicas de cada momento.

Schelling define de modo preciso o papel da arquitetura no processo mais geral da construção; um papel nada obvio, a julgar pela chamada arquitetura “do espetáculo”, mais empenhada em levantar inutilidades incômodas que a construir edifícios cuja condição formal assuma sem forçar nem coagir as previsões do programa."

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Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854) foi um filósofo alemão e um dos principais representantes do idealismo alemão. A carreira de Schelling foi marcada pela constante busca de um sistema que permitiria conciliar a natureza e o espírito humano com o absoluto, explorando as fronteiras entre arte, filosofia e ciência.

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