Zahas Hadides para quê?

Por José Ramón Hernández Correa*


Assisto entediado, cansado, farto, a outra “genialidade” de Zaha Hadid, e me pergunto: Por quê? Para quê? Zaha Hadid, como todos os arquitetos divinos, arquitetos-marca, arquitetos-estrela, já não é uma arquiteta. Nem sequer é uma pessoa. Não é homem nem mulher. É um ente, uma corporação. Seu escritório se chama Zaha Hadid Architects. São muitos arquitetos Zahas Hadides. Ou nenhum. Ali já não há arquitetos. Não há arquitetura.

Vejo esta foto:



E me canso. Não sei se são moradias, escritórios, um hotel, um centro comercial…e não me importa. E o pior é que suspeito que a ela também não importa. Já nada lhe importa.



Me entedio. E me envergonho. Há truques de Photoshop que fazem isto com uma foto, a espiralizam e a liquefazem, e parece que se está esvaindo por um ralo. E daí? Creio que não é esta a função da arquitetura. A arquitetura não é esta bobagem, este disparate tosco e sem nenhuma graça. A forma é uma das armas mais poderosas da arquitetura, é claro, mas aqui vejo uma demonstração de armas quando não há nenhuma batalha para lutar. Vejo uma procissão, não uma vitória. Definitivamente, se trata apenas de armas com balas de festim.



Este tipo de obras pornográficas e grosseiras arrasta tudo por onde passa. Tudo está a seu serviço. Elas não estão a serviço de nada nem de ninguém. Não servem a ninguém; não servem para nada. Há uma antiga construção no entorno? Pois só serve se emoldura a obra das Zahas Hadides. Se não for assim é demolida. Não importa nada o lugar, as pessoas, as pré-existências, a história do sítio…Tudo. Só importa a nova obra vaidosa e autobombástica das Zahas Hadides.

Até isso eu posso entender: há obras tão maravilhosas que criam uma nova realidade, e que são melhores que toda pré-existência, e que inclusive fazem que as pessoas melhorem. Muito bem. Há obras únicas que marcam caminhos e mudam inclusive a história. De acordo: que todos se curvem a elas. Glória a elas. Mas o que vemos é outra vez o de sempre; mais do mesmo; pão com pão (por mais que se empenhem em nos fazer crer que é chocolate com chocolate).




Se poderia dizer que o processo é tão bobo como introduzir variáveis mais ou menos aleatórias em um programa informático ad hoc que deforme o projeto original e que produza um render distorcido. (Seria igual se o computador sofresse um erro fatal ou um ataque de pânico e aplastasse ou distorcesse tudo o que já foi modelado. Ninguém se daria conta, e se executaria esse erro informático).

O resultado é que nenhum dos Zaha Hadid Architects sabe como construir isso, e o único mérito de todo o exercício seria precisamente saber construí-lo. Por isso os engenheiros (benditos engenheiros) se sentem orgulhosos de construir o que parecia impossível. Tanto no Pavilhão Ponte  de Zaragoza como no Centro Aquático de Londres os engenheiros construtores –que passaram meses falando mal do endeusado e desatinado escritório de arquitetura– acabaram orgulhosos de ter podido construí-los e terminaram sendo os maiores apóstolos de um escritório que não se dignou a dar-les nem um projeto estrutural detalhado, que seria o normal, nem sequer uma avaliação de quantos apoios –e sobre o que se apoiariam– teriam aqueles monstros.

Todos, e sobretudo os engenheiros, creem que ser um arquiteto brilhante consiste em produzir um projeto suficientemente retorcido enquanto eles se limitam a digitalizar a geometria (o que não é pouca coisa) e a confiar que seu aplicativo –desta vez o dos engenheiros– triangule tudo em três dimensões e meça cada barrinha de cada triângulo. Com tetraedros irregulares se pode construir qualquer coisa.



Que méritos tem isso? Muitos, mas nenhum arquitetônico. Se trata de aplicativos e máquinas poderosas que decompõem em facetas triangulares qualquer superfície curva e que calculam vigas treliçadas de modo desmedido. E milhares e milhares de barras metálicas, todas diferentes, provocando úlceras e insônia nos encarregados da obra.

Ao final aquilo é construído, custe o que custar, e os próprios construtores ficam encantados, sem poder acreditar no que realizaram. E as certificações de sustentabilidade são fora do comum. Eu não gostaria de ser quem as revisaria e aprovaria. É para morrer. (Claro que as Zahas Hadides não dão nenhuma atenção a isso, sobretudo a isso. Se por causa dessa omissão o custo da obra se decuplica, pois que se decuplique. E ainda por cima cobram honorários sobre elevação de custo)

E tudo isso para quê? Para o pasmo infantil de um público que nem sabe nem quer apreciar a arquitetura, somente as megaconstruções, as monstruosidades, o difícil e complicado, e o desafio de formas que se retorcem ‘porque sim’, por nada, porque eu posso. E, terminando uma ponte em Zaragosa, passam a fazer um estádio em Londres, e logo um teatro em Zanzíbar e um arranha-céus no Chiquitistão. E sempre a mesma coisa.

Me entedio, Zahas. Me entedio muito.

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*Publicado no blog Arquitectamos locos? em 3/12/2012. Vale a pena seguir esse blog!


Nota: 
Que fique claro que não quero maltratar de modo machista a uma mulher. Este texto se refere a imagens que por acaso são do escritório Zaha Hadid Architects; poderiam se referir ao trabalho de qualquer outro. Há muitas Zahas Hadides e todas são parecidas: calatravas, fósteres, nouveles, gehrys, koolhaas, etc, etc. Todas elas foram um dia pessoas reais e demonstraram um talento excepcional. Todas têm obras notáveis, algumas magníficas. Mas a própria estrutura do star system as obrigou a diluir-se em corporações abstratas, em entes intangíveis, em fábricas de delicada e perfumada merda que corrompe o mundo e denigre a todos.

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