Sobre a planta em arquitetura

Seguem abaixo três pequenos, porém muito interessantes, textos do arquiteto espanhol Santiago de Molina, publicados no seu blog Multiples estratégias de arquitectura.


A planta em extinção

LOUIS KAHN, Adler house, 1954-1955, Imagem: Kahn Complete Works, Brickhauser

            A planta é uma espécie em perigo de extinção. Me refiro ao desenho da planta. (O resto me parece estar sempre em perigo em zonas remotas do planeta e afastadas da nossa sensibilidade).
            Dizia que as plantas estão ameaçadas de extinção por motivos que surpreenderiam às gerações passadas. Os novos modos de produção da arquitetura, em que o “modelo” digital oferece a promessa de um controle absoluto da obra, já não trabalham com a representação como base dessa vetusta disciplina. Cortar um modelo horizontalmente não resulta em uma planta. Ao menos nos termos do que a planta significou para os arquitetos do passado.
            A planta se encontra abandonada à sua própria sorte; é apenas cultivada em escritórios jovens, em espaços orientais ou em grandes corporações cujas sensibilidades se encontram deslocadas. Inevitavelmente deslocadas. Porém, dada a preocupação pela sobrevivência disciplinar em que estamos imersos, talvez a representação da arquitetura seja um dos últimos redutos que são próprios do arquiteto. A representação de plantas, por isso, é um território que não deveria descuidar-se sob pena de uma perda de “biodiversidade”.
            Porque quando um arquiteto fala de uma planta não se refere a um desenho mais ou menos bem feito, mas a um modo de olhar específico. Tão específico que não é compartilhado por nenhuma outra profissão (ocupadas que estão com plantas de mais envergadura e folhagem). Esse olhar não é o do historiador nem do engenheiro especialista em programas. Sob o olhar do arquiteto, pelo menos do arquiteto Louis Kahn , “a planta é uma sociedade de recintos”(1). Além disso, a planta é um sistema econômico de relações espaciais e um sistema político entre seus espaços… E assim tudo.

            E mais, muito mais, que um corte simplório e vazio. E mais que um desenho.

(1) Kahn, Louis, “La Habitación, la calle y el consenso humano”, em Latour, Alessandra, Louis Kahn, Escritos conferencias y entrevistas, Editorial El croquis, Madrid, 2003, pp. 275. Edição original em “the Room, the Street and Human Agreement”AIA Journal, vol 56, nº3, setembro 1971, pp. 33-34.


Publicado em 27/6/2016.

Plantear

BERNINI,Fonte dos quatro rios,planta na cota 0.48, Imagem: D.M.T.Abbate,Electa.

            Qualquer um diria que a planta acima é o resultado de seccionar horizontalmente a uma altura de quarenta e oito centímetros a “Fonte dos quatro rios”, de Gian Lorenzo Bernini, na Piazza Navona, em Roma.
            Essa geometria informe e fora do comum se impõe e a borda oval da fonte não ajuda a conter essa massa de pedra para a qual não existe planimetria possível. Porém, em algum momento durante a sua construção a fonte foi assim.   
            Se pode extrair consequências desse tipo de descobrimento: por um lado, que uma planta é um sistema narrativo de maior profundidade do se lhe atribui normalmente. Por outro, que a planta nem sempre é o documento que revela uma pura distribuição funcional, que descreve da melhor maneira os habitantes dormindo e passeando entre as futuras paredes da arquitetura. Dito de outro modo, a planta é, antes de mais nada, uma extraordinária ferramenta para a exploração da forma.
            O verbo “plantear”(1) e “planta” vêm da mesma origem. Porém, entender a planta somente como uma secção particular da arquitetura implica distrair a nossa atenção de sua potência como bisturi cósmico para o descobrimento de outras maneiras de olhar. Interiorizar a planta como secção horizontal é uma obviedade de escola infantil  até que se desenhe plantas de objetos cotidianos: o corte de uma maçã, de uma cadeira ou de uma máquina de escrever, por um plano paralelo ao solo, nos revela objetos e formas maravilhosas e habitualmente invisíveis.
            Geralmente os cortes, as secções verticais sobre a forma, nos informam sua ordem construtiva e sua espacialidade, mas essa incisão horizontal específica quando se afasta da arquitetura não trata do mesmo, senão de seus ingredientes constitutivos ao longo do tempo.
            Porque a planta, que sempre fala da funcionalidade, o faz, além disso, da funcionalidade da matéria, não dos seus recintos.

(1) Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, plantear significa  fazer a planta de (uma construção); planejar, projetar.

Publicado em 17/11/2014.

Sobre as plantas de arquitetura e sua classificação

HERMAN HERTZBERGER, Centraal Beheer, 1972, desenhos. Imagem: origem desconhecida
            Se não houvessem desenhos de arquitetura não seria possível hoje haver nem projetos, nem construções, nem a civilização, nem as cidades, nem seus habitantes. Esse instrumental, mais útil que limas e bondes, serve para apreender e descobrir o mundo contemporâneo.
            Se bem que não sucedeu de igual modo no passado, quando era possível projetar sem a intermediação do desenho, hoje cada desenho bidimensional é tanto uma instrução de uso e montagem da arquitetura como uma busca, a separação dos seus usos é fictícia e nociva.
            Não há projetos exclusivamente de urbanismo, de estruturas ou de arquitetura, como não se pode dizer que um telescópio só serve para contemplar o céu e não as nuvens ou uma vizinha interessante. Cada projeto de arquitetura se dirige ao descobrimento de algo ainda não encontrado por completo, mas prometido. Como um explorador faz a bordo de um barco, em busca de um novo território.
            Desse modo, um projeto urbanístico é um detalhe construtivo da cidade, um projeto complementar é um detalhe das vias e fluidos de uma edificação e um projeto de arquitetura das interioridades do lugar e da transmissão de suas cargas e espaços. Separá-los por suas categorias insolúveis, crendo em ditas dicotomias acriticamente, ––coisa que ocorre com frequência em todo Trabalho de Conclusão de Curso ou em qualquer lista vulgar de projetos––  é motivo de reprovação de qualquer formando e de qualquer incubadora de arquitetos.

Publicado em 29/10/2012.

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