Título original: Blobs, pixels and push-up bras (1999)
Tradução:
Edson Mahfuz
Nos anos 1980, os arquitetos da
vanguarda de então costumavam desenhar suas plantas à óleo. Uma apresentação de
projeto naqueles dias procedia mais ou menos desse modo: o arquiteto-estrela [2]
projetava sobre uma tela um slide invertido de uma pintura à óleo, sugerindo se
tratar de uma composição de respingos de tinta. Ato contínuo, ele indicava com
uma lanterna laser vacilante cada uma das manchas de cor, nomeando-as
respectivamente: “esta é a piscina, este é o vestíbulo, esta é a garagem”.
Vinte anos depois, grandes avanços
permitiram a apresentação computadorizada: os arquitetos da nova vanguarda
desenham suas plantas em pixels. Uma apresentação hoje é mais ou menos assim: o
arquiteto-estrela projeta sobre uma tela de vídeo uma acelerada animação feita
em computador, a qual sugere uma composição de ondas vividamente coloridas. Ato
contínuo, ele indica com um mouse
vacilante cada um dos filamentos de cor, nomeando-os respectivamente: “esta é a
piscina, este é o vestíbulo, esta é a garagem”.
Pouco tempo antes do final do século
XX, um bom número de arquitetos progressistas abandonou suas pranchetas de
desenho. As noites que se seguiram foram consumidas praticando o uso dos seus
novos programas de desenho no computador. A partir de então, eles vem
produzindo edifícios ondulantes e que se dobram sobre si mesmos. Se esperava
que os computadores gerassem automaticamente uma nova arquitetura. A nova
máquina eletrônica de desenho libertaria a arquitetura para sempre do ângulo
fixo de noventa graus da antiga régua T. Isso me faz lembrar das feministas dos
anos setenta que queimavam seus sutiãs para liberar seus seios, na esperança de
que isso levasse automaticamente ao surgimento de uma nova mulher. Vinte e
cinco anos mais tarde, suas filhas estão novamente invadindo as lojas de lingerie em busca de sutiãs recheados
para enfatizar sua feminilidade. A chamada ciber-arquitetura está confundindo
os meios com o conteúdo de um modo muito parecido.
As dobras, bolhas e corpos que temos
visto aparecer por toda parte manifestam o poder revolucionário do uso do
computador. Essas formas tem sido objeto de congressos, livros e artigos. O
editor-chefe de uma prestigiosa revista de arquitetura chegou a lançar uma campanha
em seu favor. Escolas de arquitetura progressistas já organizaram ateliês de
projeto sem o uso de papel. O abandono do papel se tornou palavra de honra para
a vanguarda computadorizada. Nos anos setenta, o termo ‘arquiteto de papel’ [3]
era um apelido respeitoso atribuído a um grupo de arquitetos que, por falta de
encargos reais, se envolviam por sua conta em projetos imaginários que os
interessavam. O apelido não tinha nada a ver com alguma predileção especial por
papel, mas tudo a ver com o fato de que eles raramente conseguiam construir
seus projetos. Nos anos noventa, o apelido ‘arquiteto sem papel’ designava
arquitetos sofisticados, totalmente envolvidos com o uso de programas de
computador. Neste caso, a falta de papel não tinha nada a ver com o fato de que
tudo o que projetavam acabava construído, mas com uma denúncia do uso de papel
por outros arquitetos.
Graças à nova tendência, o edifício
curvo se tornou marca de progresso arquitetônico, pela terceira vez no mesmo
século. Primeiro, seguindo o sucesso de carros e aviões, veio o estilo
aerodinâmico. Na metade do século, refletindo a era nuclear e as viagens
espaciais, veio o estilo atômico (seu auge sendo o biquini, nome apropriadamente
tirado da ilha tropical que serviu de campo de provas para armas nucleares). E
agora temos o estilo dobra-corpo-bolha, seguindo os avanços da tecnologia da
informação e da biotecnologia.
É sempre a mesma história: com medo
de ficar fora do desfile glamoroso de uma nova tecnologia, os arquitetos adotam
seus ícones. A aerodinâmica tem vantagens para coisas que se movem, mas não tem
nenhuma importância para objetos estáticos. Curvas são relevantes para a física
quântica e para os filamentos do DNA, mas não são particularmente úteis para
pisos e paredes. Edifícios ondulantes não são projetados por causa de novas
técnicas de projeto, mas porque o arquiteto deseja aquela configuração. Na
melhor das hipóteses, um novo meio de projeto leva a uma nova característica
estilística, nunca a uma renovação fundamental da arquitetura. Não é por acaso
que, nas gerações subsequentes ao apogeu de estilos curvilíneos (por exemplo,
Art Déco, estilo 50’s), eles foram considerados kitsch e fora de moda, só inspirando os que trabalhavam com
antiguidades.
O que é trágico para a nova
vanguarda é que a arquitetura, sendo uma tecnologia antiga cujos produtos fazem
parte da categoria descrita como ‘bens imóveis’, tem a ver com características
como peso, lentidão e inércia. A arquitetura não elabora suas inovações
imitando configurações de outras tecnologias, senão que as deriva de avanços da
sua própria tecnologia construtiva e da natureza inovadora de programas
sociais. As mais belas curvas deste século não foram feitas com computadores e
pixels, mas com arrojo e engenhosidade: as cascas em concreto de [Félix]
Candela, os arcos em pedra de Gaudí e o mobiliário em madeira laminada dos
Eames.
Outro efeito do uso de computadores
tem sido uma homogeneização das apresentações de projetos. O que iniciou em
preto e branco com rígidos modelos tridimensionais desenhados com linhas (wireframe) nas linguagens Cobol ou
Basic, mudou drasticamente com o influxo de aprendizes da geração Nintendo
(todos eles profundos conhecedores da última versão de Photoshop), evoluiu
rapidamente para apresentações com ‘milhões
de cores’, populadas por nuvens escanerizadas e extras sorridentes. Hoje
nenhuma firma de arquitetura ou secretaria de obras e/ou urbanismo que se dê ao
respeito pode passar sem collages
feitas em computador. Estranhamente, contudo, essas visões artísticas
fabricadas se tornaram intercambiáveis e perderam o sentido. Personagens comuns
a todas as apresentações atuais são a moça-vestida-em-minisaia-com-Walkman ou o
jovem-de-bermudas-com-prancha-de-skate, do mesmo modo que nos anos 1950
perspectivas desenhadas a carvão eram embelezadas com o mesmo tipo de árvore.
Pode-se dizer que a collage feita em
Photoshop destes tempos já superou em muito o clichê da aquarela promocional
das imobiliárias de anos passados, no que se refere à sua incapacidade de
transmitir qualquer mensagem significativa.
A grande promessa da revolução
eletrônica reside na Internet. Arquitetos estão construindo febrilmente suas
páginas na rede na esperança de enfrentarem novos desafios virtuais. No
entanto, os reais desafios arquitetônicos propiciados pela Internet são muito
poucos: uma fonte adicional de informação para uso doméstico, ou um apoio ergodinâmico
para o pulso, para uso no escritório. O chamado comércio virtual acaba se resumindo
a operações banais do ponto de vista logístico, realizadas em áreas industrias
barrentas: os armazéns da amazon.com, os depósitos da ups.com, ou os
escritórios de aluguel padrão da cisco.com. Os reais locais de trabalho das
televendas e dos centros de atendimento
das grandes empresa da Internet se assemelham em muito aos suadouros [4] do
século dezenove, onde as máquinas de costura foram substituídas por computadores
(melhor para os seus ouvidos, pior para os seus olhos) mas as pobres senhoras
mal pagas ainda se sentam tão próximas que os cotovelos se tocam. Se essa
situação não pode servir de estímulo a novas tipologias, muito menos a uma nova
arquitetura.
Gates e Jobs ainda não são nenhum
Lever ou Seagram; sabonetes e uísque evidentemente estimulam mais renovação
arquitetônica do que hardware e software. O melhor que a revolução
eletrônica ofereceu aos arquitetos até aqui é a possibilidade de mudança de
carreira: dez anos atrás, jovens arquitetos se autoeducaram para serem
consultores de informática, hoje um novo grupo de designers está mudando de
profissão para se tornar bem sucedidos mestres da rede [5]:
os únicos e verdadeiros ciber-arquitetos!
[1] http://www.neutelings-riedijk.com/
[2] Nota do
Tradutor.: Estrelarquiteto ou starchitect,
no original.
[3] N.T.: Paper architect.
[4] N.T.: Sweatshops: fábricas mal ventiladas, no leste dos EUA, em que um
número enorme de mulheres trabalhavam por muitas horas, em péssimas condições.
[5] N.T.: Webmasters: aqueles que projetam os sítios e páginas de indivíduos,
empresas e instituições, disponibilizadas na World Wide Web.
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