Alberto Campo
Baeza
Tradução: Edson Mahfuz
Ainda tenho no meu ateliê esquadros de 30º e 45º, não mais para
desenhar, porque tudo se desenha no AutoCad, mas para construir as muitas
maquetes que fazemos nós mesmos. Quando era pequeno minha mãe sempre fazia magníficos
bolos em casa. Pois no meu ateliê os bolos, as maquetes, as faço eu e, muito
melhor que eu, meus colaboradores. Fazemos as maquetes sempre em casa.
Usamos os esquadros para controlar o ângulo reto, que é um
ingrediente básico da arquitetura. O ângulo reto em que se encontram sempre a
vertical da gravidade com a horizontal do plano da terra. Não é sem razão que o
ângulo reto tem sido o mecanismo geométrico mais usado ao longo da história da arquitetura.
Em corte pela razão da gravidade e em planta pela razão da ordem. E assim o
prumo e o nível têm sido, e continuam sendo, instrumentos imprescindíveis para
construir obras de arquitetura.
Mas antes de continuar meu raciocínio sobre o ângulo reto, devo
confessar qual a razão de ter iniciado a escrever sobre este tema. Li na
imprensa que cientistas norte-americanos do Massachusetts General Hospital
descobriram que o cérebro é constituído por fibras paralelas e perpendiculares
que se cruzam entre si de modo ortogonal, que o cérebro é quadrado, um cérebro
no esquadro.
Eles descobriram que as conexões físicas do cérebro humano, que
sempre se imaginou emaranhadas, após serem analisadas com a tecnologia mais
avançada, são surpreendentemente simples, ortogonais, no esquadro. Parece que o
cabeamento cerebral está organizado geometricamente segundo uma rede ortogonal
de comunicações, como o traçado de Manhattan. Ou como a imagem clássica de um
circuito impresso. A antiga crença de que o caminho mais curto entre dois pontos
é uma reta, o que continua sendo certo, não foi redescoberta pelos cientistas
norte-americanos.
E a mim, que sempre fui acusado de insistir obstinadamente na linha
reta, tanto na vertical como na horizontal, e de utilizar basicamente o ângulo
reto agora que os todos arquitetos torcem, giram, inclinam, curvam e dobram,
soa muito bem este novo –novo?– descobrimento. Quando hoje em dia todos os arquitetos
se dedicam a ostentar ângulos agudos e obtusos, depois dessa notícia não posso
fazer menos que sorrir calado desde o meu cantinho reto retangular e no
esquadro. E o que é um “canto” senão um triedro reto retangular. Mesmo que os
tratadistas de que não se sabe o quê prescrevam ângulos variados –todos menos o
ângulo reto– como ingredientes imprescindíveis para dotar de certa
originalidade e modernidade sua arquitetura.
Vocês compreenderão que me haja alegrado tanto saber que o cérebro,
onde a razão se assenta fisicamente, tenha suas conexões tão bem ordenadas, tão
no esquadro, ortogonalmente como as estantes Expedit de Ikea, se me permitem a
comparação.
Ainda me recordo como, após haver passado pelas mãos de Alejandro de
la Sota na Escola de Arquitetura de Madri, no ano seguinte fiz uns croquis
absolutamente ortogonais para o meu primeiro projeto, tão imbuídos daquela
ortogonalidade sotiana que os novos professores não os receberam muito bem.
“Isso deve ser mais expressivo, menos monótono”, me disseram eles. Com uma
docilidade a que não estou acostumado, após trabalhar muito no fim de semana,
lhes apresentei um novo projeto repleto de curvas, giros e gestos expressivos.
Algo entre gaudiniano e wrightiano. Uns desenhos preciosos que aqueles
professores não duvidaram em elogiar publicamente. Aplaudiram tanto que, seja
por lealdade a Sota ou por meu arraigado espírito de contradição, imediatamente
decidi voltar à ortogonalidade perdida, aos meus esquadros. Com isso não recebi
a desejada qualificação dos entusiamados professores, mas devo confessar que
aprenti muito. Lhes contrariei baseado em razões poderosas, como tenho feito
sempre em todos os campos da vida. E sigo fazendo-o embora isso não agrade a
muitos.
Há pouco tempo estive com Eduardo Souto de Moura em um congresso
sobre Mies van der Rohe em Aquisgran. Além de visitarmos juntos a igreja
despojada de Rudolph Schwarz e a rica capela palacial de Carlomagno, falamos
muito de arquitetura e Souto, entre taças de Riesling, me dizia sorrindo que
éramos dos poucos que ainda seguíamos fiéis à linha reta e ao ângulo reto.
Concordei feliz, vindo o comentário de quem vinha.
Em meu último projeto, cuja construção recém iniciou, uma casa na
beira do mar em Zahara, o ângulo reto é tão reto e a caixa é tão caixa que ao
final será uma grande caixa de travertino romano embutida na areia da praia. E
cuja cobertura, um radical plano horizontal plano, é o protagonista principal
desse espaço, como um temenos onde os
deuses irão logo se reunir com os homens.
Porque ali, naquela praia de impenetrável formosura, a gravidade
segue sendo a gravidade de sempre, a das maçãs de Newton, que seguem caindo
verticais, descrevendo uma linha reta sempre perpendicular ao chão.
E ali, naquele pedaço de paraíso, o horizonte segue sendo
horizontal. Tão horizontal como reto é o horizonte definido pelo Atlântico que
se oferece à nossa frente. Ali o plano horizontal se ajusta com exatidão à
definição do dicionário da Real Academia Espanhola que, curiosamente, se refere
à água parada.
O mesmo plano horizontal que Mies sempre construiu. Se ainda
estivesse entre nós, Mies felicitaria aqueles sábios norte-americanos não tanto
por descobrir a ortogonalidade fisiológica como por corroborar algo que para
ele, e para mim, é tão elementar como a ortogonalidade na arquitetura. Como não
podia ser menos. E que a menor distância entre dois pontos segue sendo a linha
reta. E porque as maçãs seguem caindo verticalmente, ortogonais ao plano
vertical do chão.
[1] O título original do texto é El Cerebro Escuadrado, que é um eficaz
jogo de palavras entre “escuadrado”, relativo a esquadro, e “es cuadrado”,
relativo a ser quadrado, usado no texto para referir-se ao cérebro, e que só
tem pleno sentido em espanhol. Em espanhol o que chamamos de esquadro é chamado
de escuadra e cartabón.
[2] Publicado em TC 112 - Alberto Campo Baeza. Arquitectura 2001- 2014,
General de Ediciones de Arquitecture: Valencia, 2014.
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