O último texto publicado aqui, de autoria de José Ramón Hernández
Correa, deixou muita gente inquieta. Uma dessas pessoas é o arquiteto Franco
Barella quem, ao mesmo tempo que concorda com a essência do que o autor diz, se
diz preocupado com o verdadeiro sentido do ato de copiar proposto por José
Ramón, no seu entender muito próximo do significado de imitar.
“Se, segundo os conceitos vindos de dicionários, IMITAR seria adequar
a própria personalidade ou comportamento a um determinado modelo, por exemplo,
então, no sentido que buscamos, não deveríamos dizer que buscamos IMITAR ao
invés de COPIAR?
Me assusto quando penso isso, pois reconheço que tenho preconceito com
a palavra IMITAR, mas não seria isso?”
Franco, há várias coisas que podem ser ditas sobre o assunto.
Primeiro, o que o autor propõe não é estritamente cópia nem imitação, mas
chegarei a isso mais adiante. Segundo, muitas vezes a busca do significado em
dicionários de um conceito empregado em arquitetura ajuda, mas nem sempre. Este
me parece ser um caso em que pouco ajuda, além de te deixar preocupado.
Por trás do teu preconceito estão décadas de insistência em que o projeto
de arquitetura deve ser original, no sentido de partir do zero, e que apoiar-se
em precedentes é demonstração de falta de talento. No tempo em que eu estudei
isso era explicitamente censurado e se alguém fosse pego inspirando-se em outra
arquitetura a reprovação era certa, ou pelo menos o aluno era punido com o
desprezo de professores e colegas. Pobre coitado, precisa da muleta da história
para projetar!
Nos dias de hoje isso é mais velado. Que eu saiba nas escolas não se
coibe o uso de precedentes mas segue-se endeusando os supostos “mestres” do
momento pelo simples fato de que projetam coisas extravagantes, que não se parecem
em nada com edifícios. Os sites e revistas não ajudam em nada pois raramente
publicam o que é convencional, optando pelo que causa impacto.
Além disso, volta e meia ressurgem conversas sobre plágio em arquitetura,
como se fosse um pecado mortal buscar inspiração na obra de colegas passados e
presentes.
É muito estranho que em arquitetura é considerado menos importante
dominar o conhecimento da disciplina e aplicá-lo de modo pertinente do que
fazer o que nunca foi feito. Aplique-se essa atitude a profissões como a
advocacia e a medicina e veremos em que estado ficará a sociedade.
Não é à toa que muitos se inquietam quando são exortados a copiar ou
imitar. A sensação deve ser igual a que se sente ao praticar algo imoral (desde que não se seja um psicopata, é claro).
No entanto, o que José Ramón Hernández Correa nos propõe não é
exatamente copiar nem imitar, porque isso é impossível em arquitetura, até
mesmo quando se quer fazer isso. As diferenças entre as situações que envolvem
dois projetos afastados no tempo e no espaço determinam que o resultado do que
estamos chamando, por falta de melhor termo, de cópia ou imitação, seja algo
único, com identidade própria.
O autor nos convoca a adotar uma atitude mais humilde e modesta do que
costumam ter os arquitetos. Porque tentar reinventar a arquitetura se o nosso
problema já foi resolvido várias vezes por outros? Porque não aprender da boa arquitetura
usando-a como ponto de partida para o nosso trabalho? Porque é disso que se
trata: de adaptar e transformar uma estratégia projetual a uma nova situação,
criando inevitavelmente algo novo.
Helio Piñón chama isso de “projeto como (re)construção”, defendendo a
sua utilidade na escola e na prática. Assino embaixo. A arquitetura é uma
disciplina que há séculos evolui criando sobre si mesma. Não é porque vivemos
em uma época pouco iluminada que deixará de ser assim.
Seja qual for o nome que se dê a essa prática, ela vem sendo utilizada
há séculos na arquitetura e em todas as áreas criativas. Ilustro esta afirmação
com uma série de casos dos últimos 100 anos, em que os arquitetos envolvidos
são quase todos indiscutíveis.
1. Le Corbusier, Villa Stein e sua utilização da estrutura formal da
Villa Malcontenta, de Palladio.
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Plantas e esquemas formais das villas Stein e Malcontenta |
2. A Glass House de Philip Johnson e a Farnsworth de Mies van der Rohe.
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Casa Farnsworth |
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Glass House |
3. O Hotel SAS de Arne Jacobsen e a Lever House de Gordon Bunshaft
(SOM).
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Lever House |
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Hotel Royal SAS |
4. A prefeitura de Rodovre (Jacobsen de novo) e o Centro Técnico da
General Motors, de Eero Saarinen.
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Centro Técnico da GM |
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Prefeitura de Rodovre |
5. Talvez a Casa del Fascio de Terragni não seja o precedente usado
por Louis Kahn para projetar o Centro de Arte e Estudos Britânicos de Yale, mas
este o é para o Auditório de Barcelona, de Rafael Moneo e para a prefeitura de
Benissa, de Helio Piñón.
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Casa del Fascio |
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Centro de Arte e Estudos Britânicos de Yale |
Auditório de Barcelona |
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Prefeitura de Benissa |
No fundo desta discussão está o dilema do arquiteto atual: ser como um artesão ou um artista. O artesão trabalha dentro de um sistema com repertório e regras definidas que evolui gradualmente, servindo à sociedade que o abriga. O artista rompe com tudo isso e procura expressar a sua individualidade por meio de objetos impactantes e inéditos. José Ramón Hernández Correa está claramente sugerindo que sejamos artesãos. Também assino embaixo.
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