Por
José Ramón Hernández Correa1
É
verdadeiramente extraordinário inventar algo do zero2 . O normal é
que até os criadores mais capazes e originais partam do existente e o melhorem
ou combinem com outras coisas para obter coisas novas.
Se os
seres humanos não copiassem o que veem desde que nascem não seriam capazes de aprender nem de fazer nada. Para começar, a linguagem é aprendida imitando
gestos, copiando sons, tentando e testando. Até o escritor mais original, o que mais
destrói e recria a linguagem, parte da cópia para reelaborá-la.
Nenhum
de nós saberia abrir uma porta se não tivéssemos visto alguém fazê-lo antes.
(Sou tão atrapalhado que quando trocam alguma maçaneta fico sem saber abri-la
até que veja como o faz outra pessoa. Melhor nem falar dos registros dos
chuveiros de hotel) Como se inventa algo novo? Para começar, copiando.
Me
lembro de quando comecei a fazer meus primeiros exercícios de projeto na escola
de arquitetura. Suponho que me considerava um gênio ou algo parecido: alguém
chegado a este mundo para dar uma contribuição importante. Quem sabe. O caso é
que sem ter ideia de nada queria criar algo novo. (Ao mesmo tempo, enquanto
projetava um banheiro media os equipamentos do banheiro da minha casa; para
projetar uma escada media os degraus da que havia na minha casa, etc. Minha
casa era o meu Neufert condensado; minhas
referências eram limitadíssimas e, não obstante, eu queria ser original e
contribuir com algo novo. A ignorância é audaciosa).
Me
encontrava nesse estado de espírito tão estranho (que talvez alguns de vocês já
tenham experimentado) quando meu professor de projetos me disse: “Copie. Copie. Busque um projeto que te agrade e o copie”. Para mim isso não era correto, era
como uma contravenção. Como estava equivocado. Copiar não é reproduzir um projeto
tal e qual porque isso não é possível. O terreno não tem a mesma forma, nem as
mesmas medidas, nem a mesma topografia... o programa é parecido mas não é
idêntico...etc. E basta que ao copiar mudemos uma coisa mínima para que tudo se
mova e se desordene, e trabalhar para readaptá-lo e reajustá-lo é um exercício
fantástico de arquitetura.
Por
exemplo, consideremos a planta simples da casa Schildt, de Alvar Aalto e a copiemos tal qual é, mas acrescentando
um dormitório a mais. Ufa! Que difícil. Tentem fazer isso. Talvez acabem com a
casa toda desarmada, e no princípio isso parecia fácil! Ou então, nessa mesma
casa, tentem rebaixar o nível da sala de estar, elevada por Aalto para ter melhores
vistas em direção ao mar. Imaginemos que na sua casa não haja essas boas
vistas, ou que a família prefere a comodidade de ter toda a planta no mesmo
nível. Pois tudo o que se tem que fazer é eliminar a escada e está resolvido.
Agora é só começar a fazer cortes e elevações para ver o que acontece. Copiar não
é tão simples. Além disso, devemos levar em conta que Aalto também copiou, e
que adquirir o seu estilo lhe custou muitos anos de trabalho duro e muitas
obras construídas.
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Alvar Aalto. Planta não definitiva da casa Schildt. Fonte: Arquitectamos locos? |
Todos artistas,
todos profissionais, todos artesãos copiaram. Nós copiamos. O que importa não é
copiar mas saber escolher bons modelos e bons mestres para copiar.
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Arq. Francisco Saenz de Oiza no Partenon, Atenas. Fonte: Arquitectamos locos? |
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Le Corbusier. Vista do Partenon desde o Propileu. Fonte: Arquitectamos locos? |
1.
Publicado no blog Arquitectamos locos? em 4/9/2015. Vale a pena seguir esse
blog!
2. Há
alguns casos surpreendentes, como o do avião. Le Corbusier conta em Vers une architecture que durante séculos o homem tentou projetar um aparato
voador com premissas equivocadas. Gente muy creativa y muy observadora pensou que para voar se tinha que copiar os pássaros. Se
estudássemos o voo dos pássaros até entender como se produzia e como
funcionava, se poderia copiar o processo e construir uma máquina capaz de voar.
Fracasso. Fracasso após fracasso. Uma máquina e outra. Asas maiores. Maior
potência de batimento das asas. Nada. Fracasso.
Alguém
teve que pensar fora da caixa e propor o
problema desde premissas físico-teóricas para conceber outro paradigma: um plano sustentador fixo que, propulsado a
velocidade suficiente, se elevará graças à força de resistência que o ar
oporia. Nada de bater: a solução foi lançar-se com asas projetadas com uma seção
determinada, estudada aerodinamicamente por fórmulas abstratas e teóricas, e não
observando pássaros (que em determinados momentos também usam essa estratégia).
Em todo
caso, o olhar criativo que observa de lado, que muda a perspectiva e sai do
caminho já trilhado parte também, ao menos nos processos iniciais, de testar o
existente e trabalhar com ele.
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