A ASPIRAÇÃO À COMPLEXIDADE

Por José Maria García del Monte
Tradução: Edson Mahfuz 
(Extraído do livro Guía para estudiantes de arquitectura, Fundación Arquia, Barcelona, 2017, págs. 70 a 74)



Aspirar à complexidade é uma das melhores coisas que podem acontecer a um arquiteto, embora o modo de introduzir essa complexidade possa ser o motor mais intenso do projeto ou a maior das armadilhas. Tudo é uma questão de timing, isto é, de quando a complexidade aparece.
A ambição de chegar a um projeto complexo é um dos maiores perigos que espreitam o começo de todo o processo, quando essa complexidade se converte em uma condição imposta a priori, em lugar de um destino. Isto é, se bem que é louvável aspirar a um certo grau de complexidade, deveríamos confiar que esse seja o cenário alcançado ao final do caminho. Com efeito, presas da ansiedade, os estudantes tentam iniciar o seu projeto partindo de uma complexidade que, por ser prematura, vem a ser artificial, além de frear o desenvolvimento do projeto.
Quando se inicia um projeto com uma abordagem de alta complexidade, o mais normal é que o seu desenvolvimento seja um caminho de renúncias, de simplificações, de redução de variáveis na tentativa de dominar de algum modo o cenário inicial. Quando se inicia com poucas ideias mas muito claras, talvez os passos iniciais pareçam excessivamente simples, mas na evolução natural do projeto as coisas se irão complicando, vão aparecer novas variáveis que interagem com tudo que já se desenvolveu, novas facetas do problema serão vistas e surgirão também novos caminhos para sua solução. Passado um tempo será difícil explicar o projeto sem contar com essas etapas. Tão impossível que se torna natural, de modo que no discurso ideal se encadeiam as ideias desde o princípio até o final, fazendo parecer que a complexidade já estava presente desde o início, mesmo que não tenha sido assim.
É frequente um tipo de projeto em que o estudante apresenta, desde o primeiro momento, uma enorme quantidade de intenções, cada uma muito complexa. Diríamos até que, quanto mais complexo for esse início, mais satisfeito fica o estudante e mais aplausos recebe. É quando tenta desenvolver o projeto com alguma profundidade que se dá conta de que possui uma complexidade insustentável. Demasiadas variáveis para serem consideradas de uma só vez, demasiadas frentes a atacar, demasiadas decisões que não se encaixam e oferecem mais conflitos que soluções. Perante essa situação, não resta outra saída que começar a esquecer algumas daquelas ideias, entrando em um terreno complicado de renúncias, com a inquietude de que talvez o projeto esteja perdendo parte do seu ser. Em alguns casos o estudante ficará desanimado com o que considera uma perda de qualidade do projeto, das suas intenções. A simplificação de variáveis vai lhe parecer uma vulgarização do projeto e começará a pensar que o esforço que terá que dedicar-lhe não vale a pena.
Já vi o que descrevo acima muitas vezes. Quase sempre, esse tipo de início é o prelúdio de crises posteriores, ainda mais se a complexidade buscada tem a ver com a forma do projeto, o que pode indicar enormes conflitos construtivos. Penso que um início desse tipo deve ser imediatamente reconduzido para uma pergunta muito clara: o que é o projeto? De que se trata? Descrever um conceito é muito fácil se está claro. Basta que cada leitor se faça esta pergunta a respeito de um dos seus filmes preferidos e pense sobre a frase que descreveria o argumento do filme. Logo se dará conta de que não é necessário mais do que uma frase, no máximo duas: uma saga familiar num contexto de guerra espacial, a história de três gerações de mafiosos italianos em Nova Iorque, ou uma paródia musical sobre o início do cinema falado. A maioria saberá a que filmes essas frases se referem, e se não sabem, perguntem e verão como rapidamente descobrirão o título dos filmes.
O que digo não deve ser interpretado como um discurso contra a ambição ao projetar, mas como uma advertência sobre a necessidade de que o processo projetual ganhe densidade de maneira orgânica mediante o seu próprio desenvolvimento. Quando um projeto inicia querendo fazer isto, aquilo e mais alguma coisa, se aproxima do caos, porque terá que dividir atenção com outras dez questões importantes, porque há várias soluções diferentes para a mesma condição inicial, porque muitas soluções construtivas para o mesmo tipo de problema e além de tudo isso ainda busca uma forma geométrica especialmente singular...
Quando se começa querendo fazer apenas uma coisa, essa coisa leva a outro lado de onde resultam novas condições e tudo vai configurando formalmente uma solução possível, cada passo se apresenta como necessariamente ligado ao anterior, de tal modo que ao final do processo o primeiro a se surpreender será o autor. O desejo de resolver tudo passo a passo costuma dar lugar a projetos que, vistos em retrospecto, superam em muito as abordagens iniciais. É o trabalho que traduz a ambição em um grande projeto.
É habitual, por exemplo, que os estudantes que começam seu trabalho de conclusão de curso se desanimem ou fiquem assombrados ao ver os trabalhos de quem já entregou. Gosto de fazer-lhes ver, nesse momento, que os mesmos estudantes que agora os deixam perplexos com seu trabalho, há não muito tempo se sentiram da mesma forma em relação aos que vinham antes deles, e é certo que lhes parecia impossível chegar onde os outros tinham chegado. Mas chegaram. É a melhor prova de que com trabalho e fé no próprio esforço se pode chegar a igualar os resultados admirados. Costuma ser muito útil pedir a esses estudantes que, nos momentos finais, revisem seus primeiros croquis para que sejam conscientes do quanto evoluíram e aprenderam e, sobretudo, quanto evoluíram como arquitetos. Isso e algo que vai ocorrendo pouco a pouco e ano após ano durante o curso.
Que a ambição seja o motor para conseguir o projeto mais perfeito possível, o mais intenso. Não nos devemos dar por vencidos facilmente; haverá momentos em que teremos que nos apoiar na convicção íntima de que encontraremos uma solução, e será a ambição –um apetite de excelência conceitual, não formal– que nos guiará pelo caminho. Nas palavras de Unamuno: “vale mais que na tua ânsia por perseguir a cem pássaros que voam te cresçam asas que ficar no chão com o teu único pássaro na mão” [1]. Mas esperemos que essas asas apareçam para alçar voo, em vez de saltar apressadamente de um telhado.
[1] Miguel de Unamuno y Jugo, (1864 – 1936) foi um ensaísta, romancista, dramaturgo, poeta e filósofo espanhol. A citação foi tirada de ¡Adentro!, um ensaio de 1900, recomendável para esses momentos desânimo por que todos passamos.





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